sábado, 23 de junho de 2007

O FENÓMENO DA DROGA EM CABO VERDE

Nunca será uma abordagem linear, nem no passado nem no presente, mas, quiçá, no futuro haja um modo de compreender este fenómeno.

Quando estive em Cabo Verde nos fins da década de 80, pouco se falava sobre o assunto no país. Havia está claro, certos grupinhos espalhados que fumavam na altura, “padjinha” (erva). Muitas das vezes esses grupos de jovens eram conotados (bem ou mal) como “rastas”, por usarem tranças grossas, boinas e usarem roupas coloridas como as usadas por BOB MARLEY. Isto está claro na cidade da Praia. Lembro-me de os encontrar sempre na esplanada do “Plateau”” e parecia que nada tinham para fazer. Bebiam as suas cervejas e mais não via.

A “padjinha”, como em todo o sítio é fácil de plantar, embora na nossa terra seja escassa a chuva, é uma erva de bom cultivo. Talvez trouxesse algum comportamento de distanciamento para com os supostos “rastas”, um certo individualismo, mas desde que não causassem problemas, para a maioria das pessoas passava despercebido.

O que será feito destes jovens hoje? E estou a falar de jovens crescidos em Cabo Verde - reporto-me sempre a Cabo Verde -. Mais de 10 anos volvidos, em que é que se transformaram? Deixo esta questão em aberto, por enquanto.

Na mesma altura em que estive em Cabo Verde, no interior de Santiago –Assomada -, para onde ia muitas vezes, verifiquei que a camada social mais elevada era a jovem. E como jovens que eram, gostavam de ficar na praça, rapazes e raparigas, iam ao único cinema que existia, pareciam mais inocentes que os jovens da cidade. Mas num clima mais húmido, a cultura da “padjinha” só podia ser facilitada.

Mas será considerada uma droga o consumo de erva? Então o tabaco que eu fumo, ou o alcóol também são drogas, mas estão à venda em qualquer estabelecimento destinado a estes produtos, e mais, em relação ao tabaco sabemos que prejudica gravemente a saúde, e o alcóol pode servir como um aditivo quando em demasia. E certos medicamentos? Ansiolíticos, hipnóticos, entre outros, não deixam de ser outro tipo de drogas, mesmo quando há assistência e vigilância médica, pelo efeito que causam.

Ao mesmo tempo muitos emigrantes de vários países começavam a construir as suas casas nesta Vila (na época). A partir daí, quem quisesse poderia ver o crescimento urbano galopante que Assomada vivia. Casas que destoavam do ordenamento territorial da Vila, jovens com carros nunca vistos: ferraris, jaguar’s, e a própria indumentária “made in USA”. Terá sido tudo esforço do trabalho árduo na diáspora? Além de divisas não entraria droga, e não me refiro a “padjinha”? Mas como é que chegaria (presume-se que chega) o produto até aos jovens? Fica em aberto esta questão pois muitas podem ser as maneiras de se envolverem com drogas mais duras como a “Cannabis Sativa”, que é de produção nacional[1].

O certo é que continuava tudo na mesma. Quando digo isto falo da ordem, da autoridade, da justiça social. Atacar o mal pela raíz não deveria ser nessa altura? Mesmo antes, na altura da simples “padjinha”. Certo que todos nós tentamos solucionar um problema, quando este está a acontecer. Mas falamos de jovens, numa fase de transição, que querem fazer tudo, querem ter novas experiências. Cada camada social tem as suas características internas que a identificam como pertencendo a um grupo. E o jovem pertence a um grupo de alto risco em termos sociais. O futuro destes jovens não me parece risonho. O problema é que arrastam com eles os mais novos e como se controla esta “bola de neve”? Que pelos vistos até os mais velhos se aliam ao negócio da droga para terem lucro mais fácil.

Não estou com isto a dizer que sejam os jovens os pioneiros, mas são os mais curiosos, os mais aventureiros, os mais audazes. Quem já foi jovem entende o que digo.

O tempo passa, e começa-se a ouvir falar de crimes, de um jovem preso por tráfico de droga, de deportados da América do Norte para Cabo Verde por rebeldia (criminosos), de homicídios absurdos, de assaltos. A violência instala-se e porquê? Não é a droga a única causa disto, mas que é uma delas é. O querer consumir mais e mais leva a desesperos e vale tudo. O tráfico também aumenta, o dinheiro é fácil de ganhar e arrisca-se tudo para tê-lo. Os crimes podem ser realizados muitas vezes sob efeito de consumo de droga para roubar e podem ter resultados trágicos.

É notório o que o Governo está a fazer para “travar” este problema? Talvez consiga levar a cabo alguns problemas relacionados com a droga, mas com o fenómeno da droga? Foi criada em 1996 a Comissão de Coordenação do Combate à Droga, no Ministério da Justiça e Administração Interna, com duas áreas a desenvolver: coordenação das acções de todos os organismos nacionais que prossigam objectivos de luta contra a droga e promover e assegurar a cooperação com entidades estrangeiras na luta contra o uso e o tráfico ilícito de drogas.

E a sociedade civil? A família? Estarão consciencializadas para a par com o Governo apoiar e denunciar?

Num momento em que tanta tinta corre sobre outros problemas como a pedofilia (?). Já tínhamos a prostituição, a gravidez precoce, os meninos da rua...pergunto-me se não está tudo relacionado? Uns problemas por causas intrínsecas, outros por causas extrínsecas?

E o que se tem feito? Criado infra-estruturas para colocar estes elementos como reclusos, para reinserção social, o que parece ser o mais certo, enquanto estão lá.

Volto à questão que deixei em aberto, que comecei a responder quando afirmei que “o futuro destes jovens não me parece risonho”, e porquê? O que irão fazer depois de saírem destas instituições? Irão reinserir-se na sociedade como cidadãos comuns? Gostava que assim fosse. Mas sou pessimista em relação a este assunto. Para mim é uma juventude perdida, que voltará à mesma vida quando saírem para as ruas. Gostaria que alguns destes jovens conseguissem superar o passado, poderá ser possível?

Tem-se, por outro lado, que pensar nos mais novos, ainda isentos destes perigos que espreitam lá fora, criar sim, infra-estruturas para sua ocupação, educação, formação cívica. É difícil este trabalho, porque falamos de crianças, adolescentes e jovens diferenciados destes outros, com quem co-habitam, que assistem ao comportamento deles, enfim numa realidade em que não se pode “separar” o bom do mau, sobretudo quando o mau é também um produto da sociedade, embora a sociedade seja feita pelos indivíduos. É um emaranhado de situações que têm que ser descortinadas.

Mas tentando não nos dispersar, voltemos ao tema da droga. Tem-se levado a cabo projectos de combate à droga, o último deles dá-nos informações actuais e importantes que nos permite compreender melhor o que se passa no mundo da droga em Cabo Verde.

O diagnóstico da situação actual relatado no “I Encontro de Reflexão sobre a Problemática da Droga em Cabo Verde”[2], faz referência para a situação geográfica de Cabo Verde que mantem relações aéreas e marítimas com África, América e Europa, o que implica certo determinismo com a questão da droga.

[1] I ENCONTRO DE REFLEXÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA DA DROGA EM CABO VERDE – Ministério da Justiça e Administração Interna – Comissão de Coordenação do Combate à Droga, 26 a 27 de Junho de 2001. Parceiros: MJAI, PNUD, PNUCID, OMS, UNICEF e FNUAP, pág. 3.

[2] Idem, pág. 3.

"A Continuar"

7 comentários:

Anónimo disse...

Eu, propria; faço o seguinte comentario: este artigo foi feito, em Lisboa em 2004, com informações que conseguia ter. Este tema tem que ser por todos importante, e nao passar ao lado, esperando casos que lhe dizem respeito para reclamar, para nos intrigarmos. Importante sim, é a acção...e tem se tomado medidas quer de recuperação; quer de reinserção, falta sobretudo a PREVENçÃO!!!...e somos todos imbuidos a participar para ela, como? Eu, tenho esta maneira de falar sobre a droga, e vou continuar, e vocês, o que estão a fazer para prevenir?...ALERTA!!!! Elsa Fontes

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