Aos 3 anos, Manuel de Jesus Costa Delgado, passava a sua “vida à solta”, com 3 avós. Passava tempos com os avós maternos, a fazer de tudo um pouco, isto na Ribeira Alta, em Sto. Antão. Foi numa viagem, passar um mês com os avós, João e Teresa, e ficou um ano, foi preciso o tio António, que morreu na Argentina ir buscá-lo, na altura era longe, levava-se quase um dia. A estadia era boa, por causa do queijo e da tia, cuja diferença de idade era de 16 anos. Ela “mimava-me”. Em casa o pai do Manuel Delgado era muito “duro”, autoritário, conservador, e a mãe “aturava” o pai, como mãe quando o pai estava ausente o regime era outro. O pai às vezes ia para as terras do Concelho do Porto Novo, e ficava uma semana, aí o ambiente em casa era mais livre, mais afectuoso. Aprendeu a ler sozinho com aproximadamente 4 anos, o pai descobriu-o a ler o “Chuva Braba”, do Manuel Lopes, que falava de Sto. Antão. Daí o prazer de conhecer este homem. Quando entrou para a escola, com 6 anos, aos 22 de Dezembro, quando faz anos, último dia de matrícula. Entrou em Outubro, e o pai matriculou-o em Dezembro, pois a escola era do pai. Nesse período até aos 12 anos só se lembra das férias. Entretanto veio para S. Vicente, pela 1ª vez andou de barco, o “Gilica”, e descobriu a electricidade. “Lembro-me do Adalberto Fonseca a apanhar-me a ligar e a desligar a luz”, na altura existia botões para rodar a luz. Nas férias, sozinho e a pé, ia para casa dos avós, a correr pela fazenda e atrás de “saias”: “Muita coisa se passou naquele canavial”. Mas queria ser padre e tem pena de não ter sido, pois a avó não deixou, a mãe estava de acordo, diziam que era “um bom femeeiro”, ele acha que dava um bom padre. Mostraram-lhe o sexo muito cedo. “No campo as coisas são muito complicadas, mais complicadas do que as pessoas pensam”. Depois na escola secundária, fez até o 4º ano com o pai. No 5º ano foi para S. Vicente. Em casa da madrinha, que era tia-avó, de Santo Antão, permaneceu até terminar o liceu. Dava-se relativamente mal com ela, porque ela era tão autoritária como o pai. Um dia pede-lhe a chave de casa e ela disse que ele estava muito atrevido, que iria escrever uma carta para o pai, e ao que Manuel responde para não se dar ao trabalho que ele próprio escreveria. Quando ela soube que tinha posto a carta no correio deu-lhe a chave de casa. Era “malcriadote” para os padrões da altura, não precisava de chave para nada, só que naquela altura não havia chave em Sto. Antão. No 1º ano que foi a um baile, em 1964, com 14 anos, o chefe da orquestra, era Antoninho Travadinha. Pagaram (o grupo de estudantes de Sto. Antão) 50$00 à orquestra, arreganharam as raparigas todas de Figueiral de Cima, puseram os rapazes que não eram estudantes do Liceu na rua e fizeram um baile com toda a arrogância da elite da Ribeira Grande. O resultado foi uma espera de pedradas dos mesmos rapazes que não entraram, e lembra-se que teve que se rastejar, num tempo de “chuva de pedras” e passou um mau bocado. Com dezasseis anos, vai para Coimbra, onde começa a estudar Direito, Obrigado pelo pai, “foi a maior desilusão da sua vida”, pois ele gostaria de fazer Agricultura. Diz que uma vez o pai contou-lhe que a família tinha que ter um advogado, pois era a “maior frustração dele”, pois uma vez tendo dinheiro para tirar o curso de Direito, ele desistiu pois conheceu a mãe, e casou-se. E dedicou-se a comprar terras e dar aulas, negou-se a ir para as colónias, quando soube o que era a “porcaria” de ser funcionário colonial e ficou em Sto. Antão. Foi para Coimbra cheio de expectativas, de encontrar uma Universidade grandiosa. Encontrou o que chamavam uma “sebenteira”, tinha-se que decorar as matérias e pronto. Dois anos depois “explodiram” a Universidade. Conta um episódio, de dia 17 de Abril de 1969, o Presidente da República, Almirante Américo Tomás, e o então Ministro da Educação, Hermano Saraiva - vai inaugurar o novo edifício de Matemática. Condicionaram o evento, com a contrapartida do Presidente da Associação Académica, Alberto Martins, falasse em nome dos estudantes e o Almirante não lhe deu a palavra. Então sequestraram o Presidente da Republica, durante duas horas: “ele não fala, você não sai”. Entraram agentes da PIDE espalhados mas sem fazer nada. Pois eram tantos estudantes, que ou fariam uma chacina, ou o Presidente morria, ou então as duas coisas. Estavam cheios de força, mas à noite começaram as prisões e mandaram o resto para a tropa. Tudo o que era suspeito ser de esquerda, ia para a tropa como castigo, “pior asneira que eles fizeram, pois o pessoal começou a meter o bichinho da revolução dentro do exército, os estudantes e os dos serviços secretos militares, sobretudo da Guiné”. Até então tornou-se militante do PAICV, onde com mais três camaradas, Manuel Faustino, Djopan (José Pedro Morais – médico) formaram uma célula centralizada criada por cada um, mantendo sigilo sobre outros elementos e factos que não fossem estritamente necessário conhecer. O sector cresceu bem, e Coimbra ganha peso na consolidação do PAICV em Portugal. Em 1970, quase todos foram transferidos para Lisboa, que estava desfalcada devido à saída de vários elementos, como João Pereira e Silva. Entretanto conseguem chegar a Conacry elementos como Djidjé (José Luís Fernandes) e o Erico Veríssimo e Amílcar Cabral ordena uma reestruturação do trabalho. Lisboa e Cabo Verde passam a ter um único director que reporta à delegação (Olívio Pires). É também recriado um sub-comité director de que o próprio, o Cândido Santana e o Tony Neves, fizeram parte. Essa reestruturação foi muito benéfica: Passou a haver melhor coordenação entre Portugal e Cabo Verde e um melhor fluxo de directivas e informação do partido de Conacry. Entretanto em 72, foi chamado para a tropa portuguesa, isso não alterou nada o seu trabalho, a não ser no menor tempo que lhe dedicava, já que estava toda a semana em Mafra. Aos fins-de-semana faz essencialmente o trabalho do partido. Nessa altura a 1ª mulher tal como o irmão de Manuel Delgado, são destacados para Cabo Verde com a cobertura de professores. Em 73, tendo sido mobilizado para Angola, deserta e passa cerca de 4 meses, em total clandestinidade, até ser preso em Fevereiro de 74, na Espanha, cuja polícia o entrega à PIDE. Tratava-se de um momento em que a ETA tinha feito explodir o carro do então Primeiro-ministro De Franco, Carrero Blanco foi morto, por atentado. As medidas de segurança em Espanha eram nesse momento muito apertadas como se podia calcular. É preso em Caxias, torturado durante doze dias (tortura de sono, sobretudo), apesar de a sua condição de militar não autorizar a sua prisão em estabelecimento civil. A determinação da sua condição profissional implicou 48h de espancamento, já que a política cria obrigá-lo declarar estudante. A 17 de Abril de 74 é transferido para a Prisão Militar da Trafaria, onde vem a conviver com os presos da tentativa de golpe de 15 de Março, entre os quais, o actual General Almeida Bruno. A 25 de Abril, por comando de Almeida Bruno, ele e outros oficiais são encarregados de manter a prisão, que na maioria, encerrava, militares presos por delito comum. Na verdade só sai da prisão em 6 de Maio de 75. Apresenta-se na sua unidade (RI16 de Évora) e volta a desertar agora rumo a Conacry, onde já estava a mulher Clara Seabra. Antes de 25 de Abril a Clara tinha sido tirada de urgência de Cabo Verde, porque como lhes tinham chegado a informação ao actual Major Rocha, de que a PIDE a relacionava com pertenço atentado contra o General de Chefe de Estado - Maior português em Cabo Verde. De Portugal a Clara seguiu para Paris, onde foi apoiada por D. Fortunata, mãe dos irmãos Lima e conheceu Adélcia Pires. Em Conacry, a primeira missão que foi dada ao Manuel foi fazer parte da delegação do PAIGC à Comissão dos Direitos Humanos da ONU, para apresentar os casos Chico-Tchan e Saguy, que tinham sido feridos pela tropa portuguesa regressada da Guiné. A delegação era chefiada pelo falecido Abílio Duarte. Depois foi mandado para Paris nestes termos: o Aristides Pereira chamou-o e disse-lhe que a Direcção do Partido tinha decidido que ele ia para Paris, o que é que ele achava? A resposta foi: Se a Direcção do Partido decidiu não podia achar nada. Mais uma vez, o núcleo dos irmãos Lima foi o seu maior suporte para trabalhar. A missão que mais o marcou durante esse período foi junto do Superior dos Capuchinhos em Turim. Tinha recebido instruções de que como os Capuchinhos estavam a criar problema em Cabo Verde, devia dar um sinal claro ao Superior de que íamos mesmo tomar o poder. Como? “Isso já é teu problema” – respondeu Aristides Pereira do outro lado do fio. Pensando bem, até porque era um miúdo de 25 anos, decidiu que o seu maior trunfo era ser casado. Viajou para Turim, com a mulher, e ainda não desfeito as malas no hotel, quando o Superior lhe mandou um frade cabo-verdiano, o frei Abel, com um carro a convidá-lo para que o casal ficasse no convento. Claro que aceitou, porque era sinal que as coisas estavam a começar a correr bem. Chegado ao Monte dei Cappucini, o Padre Secondo, o Superior, disse-lhe que era a primeira vez que um casal se alojava no convento, mas que nos iriam-se sentir bem. De facto, o Monte domina toda a cidade de Turim, e as conversas ao fim da tarde, com o superior sobre Amílcar e os seus ideais foram muito agradáveis. Era um padre relativamente jovem e desempoeirado, e no fim disse: “Mas estes são ideais de Cristo”; “Vou a Cabo Verde e resolvo os problemas”, como de facto conseguiu. Em Fevereiro de 75, a mulher é chamada para Bissau, para ajudar a organizar o Comissariado da Educação, sob o comando de Mário Cabral, e começa a preparar o seu regresso a Cabo Verde, que acontece em Maio. No dia da Independência, era ver no Estádio da Várzea, aquela quantidade de óculos escuros, porque toda a gente sabia que ia chorar mas não queria dar parte fraca. À tarde voltou-se a chorar: “E agora”? “Lembra-se, se não se engana em Agosto, que o Primeiro-ministro, Pedro Pires, lhe disse, que se prepara-se porque iria acompanhá-lo numa visita de 4 dias a Sta. Catarina. A chuva não vinha. Pires tinha despachado emissários para todos os lugares de onde pudesse vir ajuda alimentar, mas disse: “ No momento não tenho nada para dar a essa gente. Mas vou-lhes dar um abraço””. Durante 4 dias andaram de porta em porta, com o PM a abraçar os camponeses e a fazer-lhes uma promessa:” Com a independência, ninguém vai morrer de fome nunca mais em Cabo Verde”. Entretanto começam a surgir dissidências no PAIGC, o célebre caso dos trotskistas. De facto, essa tendência existia desde 1970, no grupo de Lisboa, por influência dos movimentos estudantis, então no auge nas universidades portuguesas. Lembra-se de que na antiga, Procuradoria dos Estudantes Ultramarinos, ocupada pelos estudantes africanos, depois do 25 de Abril, assistiu a uma longa reunião, em que se manifestavam várias tendências (Pró-Moscovo; Pró-Chineses,; Trotskistas), ter dito, meus caros há aqui de tudo, menos cabo-verdianos. Esses problemas esbateram-se com a euforia da Independência, mas vieram ao de cima, logo um ano depois. Os primeiros 5 anos da independência foram pesados, sobretudo no sector da informação, de que assumiu as rédeas, em finais de 1977. A coisa não durou muito porque em 1979, houve uma alegada tentativa de golpe de Estado em S. Tomé. Parece que o Voz di Povo, foi o único jornal do mundo, que deu a versão verdadeira da história, pelo que foi citado em todo o mundo. Não tinha havido intentona nenhuma, mas uma “inventona”, fruto da discordância política, entre o então Presidente Pinto da Costa e o seu Primeiro-ministro, Miguel Trovoada. A notícia foi julgada inconveniente, pelas instâncias competentes, pelo que na mesma tarde, Manuel Delgado pediu a demissão. Começa, então a dirigir a Revista do Partido “Unidade e Luta”, e a tentar reestruturar a secção de informação do PAIGC. Em 81. é designado uma Comissão de Serviço, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, à frente do Gabinete de Estudos e Planeamento. É época em que se iniciam as conversações secretas entre Angola, África do Sul e os Estados Unidos, com a facilitação de Cabo Verde. Foi uma época de intensa actividade diplomática, Época em que a filha, então com 3 anos, lhe perguntou: “ Pai quando é paras em casa?”. Há outra anedota desse período. Um dia, foi designado a ir ao Sal entregar uma mensagem, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, e só via um meio, que era alugar um dos twinoters dos TACV, para não “dançar sozinho lá dentro, pediu a autorização para levar a mulher. Ao vê-lo desembarcar com uma branca num avião não comercial, o seu amigo Fernando Carrilho, de antenas no ar, perguntou-lhe:”Quem é esta senhora?”. A resposta foi: “É a Vice- Ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul.” Fernando continuou “arranjas-me uma entrevista?”, ao que Manuel respondeu “Vou tentar”. Por volta das 10 da noite telefonou para o hotel, tal era a ansiedade, que o secretismo das conversações estava a causar na imprensa em geral. “Arranjaste-me a entrevista?”, respondeu “arranjei mas agora, não pode ser porque está na cama comigo, seu estúpido não reconheceste a Clara?”. Nos tempos dos Negócios Estrangeiros tem saudades dos dois “palhaços” de serviço à OUA, Idi Amin Dada, então presidente do Uganda, e o Imperador, Jean Bedel Bokassa. Quando as reuniões iam pela noite a dentro, a cada asneira que diziam, era uma grande gargalhada. Por mais mal que tenham feito aos seus países e à imagem de África, não posso deixar de ter saudades... ...”nem eu de ti Manel” – 20/12/07
1 comentário:
RETROSPECTIVAS
Aos 3 anos, Manuel de Jesus Costa Delgado, passava a sua “vida à solta”, com 3 avós. Passava tempos com os avós maternos, a fazer de tudo um pouco, isto na Ribeira Alta, em Sto. Antão. Foi numa viagem, passar um mês com os avós, João e Teresa, e ficou um ano, foi preciso o tio António, que morreu na Argentina ir buscá-lo, na altura era longe, levava-se quase um dia. A estadia era boa, por causa do queijo e da tia, cuja diferença de idade era de 16 anos. Ela “mimava-me”.
Em casa o pai do Manuel Delgado era muito “duro”, autoritário, conservador, e a mãe “aturava” o pai, como mãe quando o pai estava ausente o regime era outro. O pai às vezes ia para as terras do Concelho do Porto Novo, e ficava uma semana, aí o ambiente em casa era mais livre, mais afectuoso.
Aprendeu a ler sozinho com aproximadamente 4 anos, o pai descobriu-o a ler o “Chuva Braba”, do Manuel Lopes, que falava de Sto. Antão. Daí o prazer de conhecer este homem.
Quando entrou para a escola, com 6 anos, aos 22 de Dezembro, quando faz anos, último dia de matrícula. Entrou em Outubro, e o pai matriculou-o em Dezembro, pois a escola era do pai. Nesse período até aos 12 anos só se lembra das férias. Entretanto veio para S. Vicente, pela 1ª vez andou de barco, o “Gilica”, e descobriu a electricidade. “Lembro-me do Adalberto Fonseca a apanhar-me a ligar e a desligar a luz”, na altura existia botões para rodar a luz.
Nas férias, sozinho e a pé, ia para casa dos avós, a correr pela fazenda e atrás de “saias”: “Muita coisa se passou naquele canavial”.
Mas queria ser padre e tem pena de não ter sido, pois a avó não deixou, a mãe estava de acordo, diziam que era “um bom femeeiro”, ele acha que dava um bom padre.
Mostraram-lhe o sexo muito cedo. “No campo as coisas são muito complicadas, mais complicadas do que as pessoas pensam”.
Depois na escola secundária, fez até o 4º ano com o pai. No 5º ano foi para S. Vicente.
Em casa da madrinha, que era tia-avó, de Santo Antão, permaneceu até terminar o liceu. Dava-se relativamente mal com ela, porque ela era tão autoritária como o pai. Um dia pede-lhe a chave de casa e ela disse que ele estava muito atrevido, que iria escrever uma carta para o pai, e ao que Manuel responde para não se dar ao trabalho que ele próprio escreveria. Quando ela soube que tinha posto a carta no correio deu-lhe a chave de casa. Era “malcriadote” para os padrões da altura, não precisava de chave para nada, só que naquela altura não havia chave em Sto. Antão.
No 1º ano que foi a um baile, em 1964, com 14 anos, o chefe da orquestra, era Antoninho Travadinha. Pagaram (o grupo de estudantes de Sto. Antão) 50$00 à orquestra, arreganharam as raparigas todas de Figueiral de Cima, puseram os rapazes que não eram estudantes do Liceu na rua e fizeram um baile com toda a arrogância da elite da Ribeira Grande. O resultado foi uma espera de pedradas dos mesmos rapazes que não entraram, e lembra-se que teve que se rastejar, num tempo de “chuva de pedras” e passou um mau bocado.
Com dezasseis anos, vai para Coimbra, onde começa a estudar Direito,
Obrigado pelo pai, “foi a maior desilusão da sua vida”, pois ele gostaria de fazer Agricultura. Diz que uma vez o pai contou-lhe que a família tinha que ter um advogado, pois era a “maior frustração dele”, pois uma vez tendo dinheiro para tirar o curso de Direito, ele desistiu pois conheceu a mãe, e casou-se. E dedicou-se a comprar terras e dar aulas, negou-se a ir para as colónias, quando soube o que era a “porcaria” de ser funcionário colonial e ficou em Sto. Antão.
Foi para Coimbra cheio de expectativas, de encontrar uma Universidade grandiosa. Encontrou o que chamavam uma “sebenteira”, tinha-se que decorar as matérias e pronto. Dois anos depois “explodiram” a Universidade.
Conta um episódio, de dia 17 de Abril de 1969, o Presidente da República, Almirante Américo Tomás, e o então Ministro da Educação, Hermano Saraiva - vai inaugurar o novo edifício de Matemática. Condicionaram o evento, com a contrapartida do Presidente da Associação Académica, Alberto Martins, falasse em nome dos estudantes e o Almirante não lhe deu a palavra. Então sequestraram o Presidente da Republica, durante duas horas: “ele não fala, você não sai”. Entraram agentes da PIDE espalhados mas sem fazer nada. Pois eram tantos estudantes, que ou fariam uma chacina, ou o Presidente morria, ou então as duas coisas. Estavam cheios de força, mas à noite começaram as prisões e mandaram o resto para a tropa.
Tudo o que era suspeito ser de esquerda, ia para a tropa como castigo, “pior asneira que eles fizeram, pois o pessoal começou a meter o bichinho da revolução dentro do exército, os estudantes e os dos serviços secretos militares, sobretudo da Guiné”.
Até então tornou-se militante do PAICV, onde com mais três camaradas, Manuel Faustino, Djopan (José Pedro Morais – médico) formaram uma célula centralizada criada por cada um, mantendo sigilo sobre outros elementos e factos que não fossem estritamente necessário conhecer.
O sector cresceu bem, e Coimbra ganha peso na consolidação do PAICV em Portugal. Em 1970, quase todos foram transferidos para Lisboa, que estava desfalcada devido à saída de vários elementos, como João Pereira e Silva. Entretanto conseguem chegar a Conacry elementos como Djidjé (José Luís Fernandes) e o Erico Veríssimo e Amílcar Cabral ordena uma reestruturação do trabalho. Lisboa e Cabo Verde passam a ter um único director que reporta à delegação
(Olívio Pires). É também recriado um sub-comité director de que o próprio, o Cândido Santana e o Tony Neves, fizeram parte. Essa reestruturação foi muito benéfica: Passou a haver melhor coordenação
entre Portugal e Cabo Verde e um melhor fluxo de directivas e informação do partido de Conacry. Entretanto em 72, foi chamado para a tropa portuguesa, isso não alterou nada o seu trabalho, a não ser no menor tempo que lhe dedicava, já que estava toda a semana em Mafra. Aos fins-de-semana faz essencialmente o trabalho do partido.
Nessa altura a 1ª mulher tal como o irmão de Manuel Delgado, são destacados para Cabo Verde com a cobertura de professores.
Em 73, tendo sido mobilizado para Angola, deserta e passa cerca de 4 meses, em total clandestinidade, até ser preso em Fevereiro de 74, na Espanha, cuja polícia o entrega à PIDE. Tratava-se de um momento em que a ETA tinha feito explodir o carro do então Primeiro-ministro De Franco, Carrero Blanco foi morto, por atentado.
As medidas de segurança em Espanha eram nesse momento muito apertadas como se podia calcular.
É preso em Caxias, torturado durante doze dias (tortura de sono, sobretudo), apesar de a sua condição de militar não autorizar a sua prisão em estabelecimento civil. A determinação da sua condição profissional implicou 48h de espancamento, já que a política cria obrigá-lo declarar estudante.
A 17 de Abril de 74 é transferido para a Prisão Militar da Trafaria, onde vem a conviver com os presos da tentativa de golpe de 15 de Março, entre os quais, o actual General Almeida Bruno. A 25 de Abril, por comando de Almeida Bruno, ele e outros oficiais são encarregados de manter a prisão, que na maioria, encerrava, militares presos por delito comum.
Na verdade só sai da prisão em 6 de Maio de 75. Apresenta-se na sua unidade (RI16 de Évora) e volta a desertar agora rumo a Conacry, onde já estava a mulher Clara Seabra. Antes de 25 de Abril a Clara tinha sido tirada de urgência de Cabo Verde, porque como lhes tinham chegado a informação ao actual Major Rocha, de que a PIDE a relacionava com pertenço atentado contra o General de Chefe de Estado - Maior português em Cabo Verde. De Portugal a Clara seguiu para Paris, onde foi apoiada por D. Fortunata, mãe dos irmãos Lima e conheceu Adélcia Pires.
Em Conacry, a primeira missão que foi dada ao Manuel foi fazer parte da delegação do PAIGC à Comissão dos Direitos Humanos da ONU, para apresentar os casos Chico-Tchan e Saguy, que tinham sido feridos pela tropa portuguesa regressada da Guiné. A delegação era chefiada pelo falecido Abílio Duarte. Depois foi mandado para Paris nestes termos: o Aristides Pereira chamou-o e disse-lhe que a Direcção do Partido tinha decidido que ele ia para Paris, o que é que ele achava? A resposta foi: Se a Direcção do Partido decidiu não podia achar nada.
Mais uma vez, o núcleo dos irmãos Lima foi o seu maior suporte para trabalhar.
A missão que mais o marcou durante esse período foi junto do Superior dos Capuchinhos em Turim. Tinha recebido instruções de que como os Capuchinhos estavam a criar problema em Cabo Verde, devia dar um sinal claro ao Superior de que íamos mesmo tomar o poder. Como? “Isso já é teu problema” – respondeu Aristides Pereira do outro lado do fio. Pensando bem, até porque era um miúdo de 25 anos, decidiu que o seu maior trunfo era ser casado. Viajou para Turim, com a mulher, e ainda não desfeito as malas no hotel, quando o Superior lhe mandou um frade cabo-verdiano, o frei Abel, com um carro a convidá-lo para que o casal ficasse no convento. Claro que aceitou, porque era sinal que as coisas estavam a começar a correr bem. Chegado ao Monte dei Cappucini, o Padre Secondo, o Superior, disse-lhe que era a primeira vez que um casal se alojava no convento, mas que nos iriam-se sentir bem.
De facto, o Monte domina toda a cidade de Turim, e as conversas ao fim da tarde, com o superior sobre Amílcar e os seus ideais foram muito agradáveis. Era um padre relativamente jovem e desempoeirado, e no fim disse: “Mas estes são ideais de Cristo”; “Vou a Cabo Verde e resolvo os problemas”, como de facto conseguiu.
Em Fevereiro de 75, a mulher é chamada para Bissau, para ajudar a organizar o Comissariado da Educação, sob o comando de Mário Cabral, e começa a preparar o seu regresso a Cabo Verde, que acontece em Maio.
No dia da Independência, era ver no Estádio da Várzea, aquela quantidade de óculos escuros, porque toda a gente sabia que ia chorar mas não queria dar parte fraca. À tarde voltou-se a chorar: “E agora”? “Lembra-se, se não se engana em Agosto, que o Primeiro-ministro, Pedro Pires, lhe disse, que se prepara-se porque iria acompanhá-lo numa visita de 4 dias a Sta. Catarina. A chuva não vinha. Pires tinha despachado emissários para todos os lugares de onde pudesse vir ajuda alimentar, mas disse: “ No momento não tenho nada para dar a essa gente. Mas vou-lhes dar um abraço””. Durante 4 dias andaram de porta em porta, com o PM a abraçar os camponeses e a fazer-lhes uma promessa:” Com a independência, ninguém vai morrer de fome nunca mais em Cabo Verde”.
Entretanto começam a surgir dissidências no PAIGC, o célebre caso dos trotskistas. De facto, essa tendência existia desde 1970, no grupo de Lisboa, por influência dos movimentos estudantis, então no auge nas universidades portuguesas. Lembra-se de que na antiga, Procuradoria dos Estudantes Ultramarinos, ocupada pelos estudantes africanos, depois do 25 de Abril, assistiu a uma longa reunião, em que se manifestavam várias tendências (Pró-Moscovo; Pró-Chineses,; Trotskistas), ter dito, meus caros há aqui de tudo, menos cabo-verdianos.
Esses problemas esbateram-se com a euforia da Independência, mas vieram ao de cima, logo um ano depois. Os primeiros 5 anos da independência foram pesados, sobretudo no sector da informação, de que assumiu as rédeas, em finais de 1977. A coisa não durou muito porque em 1979, houve uma alegada tentativa de golpe de Estado em S. Tomé. Parece que o Voz di Povo, foi o único jornal do mundo, que deu a versão verdadeira da história, pelo que foi citado em todo o mundo. Não tinha havido intentona nenhuma, mas uma “inventona”, fruto da discordância política, entre o então Presidente Pinto da Costa e o seu Primeiro-ministro, Miguel Trovoada.
A notícia foi julgada inconveniente, pelas instâncias competentes, pelo que na mesma tarde, Manuel Delgado pediu a demissão.
Começa, então a dirigir a Revista do Partido “Unidade e Luta”, e a tentar reestruturar a secção de informação do PAIGC.
Em 81. é designado uma Comissão de Serviço, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, à frente do Gabinete de Estudos e Planeamento. É época em que se iniciam as conversações secretas entre Angola, África do Sul e os Estados Unidos, com a facilitação de Cabo Verde. Foi uma época de intensa actividade diplomática, Época em que a filha, então com 3 anos, lhe perguntou: “ Pai quando é paras em casa?”.
Há outra anedota desse período. Um dia, foi designado a ir ao Sal entregar uma mensagem, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, e só via um meio, que era alugar um dos twinoters dos TACV, para não “dançar sozinho lá dentro, pediu a autorização para levar a mulher. Ao vê-lo desembarcar com uma branca num avião não comercial, o seu amigo Fernando Carrilho, de antenas no ar, perguntou-lhe:”Quem é esta senhora?”. A resposta foi: “É a Vice- Ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul.” Fernando continuou “arranjas-me uma entrevista?”, ao que Manuel respondeu “Vou tentar”. Por volta das 10 da noite telefonou para o hotel, tal era a ansiedade, que o secretismo das conversações estava a causar na imprensa em geral. “Arranjaste-me a entrevista?”, respondeu “arranjei mas agora, não pode ser porque está na cama comigo, seu estúpido não reconheceste a Clara?”.
Nos tempos dos Negócios Estrangeiros tem saudades dos dois “palhaços” de serviço à OUA, Idi Amin Dada, então presidente do Uganda, e o Imperador, Jean Bedel Bokassa. Quando as reuniões iam pela noite a dentro, a cada asneira que diziam, era uma grande gargalhada. Por mais mal que tenham feito aos seus países e à imagem de África, não posso deixar de ter saudades...
...”nem eu de ti Manel” – 20/12/07
Elaborado por Elsa Fontes
Enviar um comentário